Asas do
tempo
As pessoas vão ficando
desconfiadas com a velhice. Alguma coisa nelas mudam, as palavras
ganham um ar aspero, a voz uma circunspecção funebre, o olhar uma
lonjura de medos. Tantos desenganos vida afora, tantas magoas
solapadas pelos intersticios da pele que a fala é concebida em
contornos aspéros e os dois olhos pouco se atrevem a nobreza singela
de um olhar ameno. As vezes observava após os longos monólogos de
meu avô uma dureza quase lagrima dentro dos teus olhos, nossos olhos
se tocavam por leves segundos e as transformações sutis em sua face
eram o suficiente para a tristeza calar em mim. Nessas horas ele se
levantava e ia fazer os teus afazeres, nunca foi afeito a
sentimentalismos, a sua educação militar, a sua vida sofrida,
endureceu. E haveria outro modo? Observar as tristezas da velhice é
como observar o teu espelho futuro, enxergar tuas duvidas, se
perceber quase inócuo por horas. Aqueles velhinhos recurvados ou
garbosos, circunspectos ou risonhos guardam uma vida entre as tuas
marcas, os teus sorrisos, as tuas palavras, em si. E por mais que
deixemos nossos ouvidos surdos diante dos teus conselhos, por vezes o
peso da experiencia recai sobre nós como uma vertigem, através de
tuas palavras mansas ou duras dirigidas no momento certo. Saramago
morreu escrevendo um livro, Vinicius criançou a medida dos anos, e
os herois da juventude de setenta hoje perambulam por nossas
imaginações, sonhos e TV em uma eterna juventude. Chico Buarque,
Caetano Veloso, Tom Zé ainda prescrutam a vida reinventando os teus
antigos modos em uma eterna busca. Acabará com a morte, as coisas
não tem fim a não ser pela desistencia.
As pessoas falam tanto
do medo da morte e de uma velhice tranquila, mas acaso o que seria
uma velhice tranquila? Acaso há? Acaso terá fim os nossos medos
repentinos, as nossas inseguranças incofessaveis, as nossas
angustias mais inexprimiveis? E o que dizer da solidão? Conversar
com os mais velhos é uma experiencia dolorosa as vezes, talvez não
tanto pelas diferenças dos tempos, mas por nossa condição humana.
Ouvir aquelas parlamentações interminaveis, aquelas historias dos
aureos tempos, aquelas orquestrações do imaginário nos dá uma
sensação mista de enfado, medo e disputa. Acaso seremos iguais a
eles? Teremos nossas histórias? Seremos ouvidos por nossos netos?
São questões endereçadas ao Tempo. E o Tempo de uma forma ou de
outra, sempre nos responde. Se acaso viver é responder.
“Olhei os teus olhos
velhos,
E vi um silêncio
esplendor
Serão as asas do
tempo,
Ou as mil dores do
amor?”
Gabriel Vieira
de Carvalho