sábado, fevereiro 23, 2013

Asas do tempo

        As pessoas vão ficando desconfiadas com a velhice. Alguma coisa nelas mudam, as palavras ganham um ar aspero, a voz uma circunspecção funebre, o olhar uma lonjura de medos. Tantos desenganos vida afora, tantas magoas solapadas pelos intersticios da pele que a fala é concebida em contornos aspéros e os dois olhos pouco se atrevem a nobreza singela de um olhar ameno. As vezes observava após os longos monólogos de meu avô uma dureza quase lagrima dentro dos teus olhos, nossos olhos se tocavam por leves segundos e as transformações sutis em sua face eram o suficiente para a tristeza calar em mim. Nessas horas ele se levantava e ia fazer os teus afazeres, nunca foi afeito a sentimentalismos, a sua educação militar, a sua vida sofrida, endureceu. E haveria outro modo? Observar as tristezas da velhice é como observar o teu espelho futuro, enxergar tuas duvidas, se perceber quase inócuo por horas. Aqueles velhinhos recurvados ou garbosos, circunspectos ou risonhos guardam uma vida entre as tuas marcas, os teus sorrisos, as tuas palavras, em si. E por mais que deixemos nossos ouvidos surdos diante dos teus conselhos, por vezes o peso da experiencia recai sobre nós como uma vertigem, através de tuas palavras mansas ou duras dirigidas no momento certo. Saramago morreu escrevendo um livro, Vinicius criançou a medida dos anos, e os herois da juventude de setenta hoje perambulam por nossas imaginações, sonhos e TV em uma eterna juventude. Chico Buarque, Caetano Veloso, Tom Zé ainda prescrutam a vida reinventando os teus antigos modos em uma eterna busca. Acabará com a morte, as coisas não tem fim a não ser pela desistencia.
       As pessoas falam tanto do medo da morte e de uma velhice tranquila, mas acaso o que seria uma velhice tranquila? Acaso há? Acaso terá fim os nossos medos repentinos, as nossas inseguranças incofessaveis, as nossas angustias mais inexprimiveis? E o que dizer da solidão? Conversar com os mais velhos é uma experiencia dolorosa as vezes, talvez não tanto pelas diferenças dos tempos, mas por nossa condição humana. Ouvir aquelas parlamentações interminaveis, aquelas historias dos aureos tempos, aquelas orquestrações do imaginário nos dá uma sensação mista de enfado, medo e disputa. Acaso seremos iguais a eles? Teremos nossas histórias? Seremos ouvidos por nossos netos? São questões endereçadas ao Tempo. E o Tempo de uma forma ou de outra, sempre nos responde. Se acaso viver é responder.

“Olhei os teus olhos velhos,
E vi um silêncio esplendor
Serão as asas do tempo,
Ou as mil dores do amor?”




Gabriel Vieira de Carvalho

3 comentários:

Bruna Rocha disse...

Curti. Também observo a velhice com s certa nostalgia e medo. Medo de perder minha bisa, por exemplo. Me desespera... mas há uma beleza incrível neste apodrecer da carne...

Gabriel Carvalho disse...

É verdade, eu tb vejo com uma beleza, mas há um lado obscuro nela que me assusta

Anônimo disse...

Gostei muito do texto em todas as racionalizações, linguagem... você realmente conseguiu descrever o exato sentimento que se tem na companhia de uma pessoa idosa, à avaliação que fazemos na face e por detrás das marcas do tempo e todas as dúvidas. Bacana msm